Os homens, ao longo de sua existência constroem sua história. A maioria, quando falece cai num esquecimento tal que, se não houver momentos nos quais possam voltar à tona, continuarão no sepulcral vazio a que foram “condenados” pelos seus semelhantes. Essa talvez seja a história de Floriano Peixoto Corrêa, o “Marechal da Vitória”, cuja vida, em rápidos lances procuraremos mostrar.
Não pense o leitor que estamos tentando resgatar a memória de um dos primeiros presidentes da República Brasileira, pois que, seu cognome era “Marechal de Ferro”. Nossa intenção é resgatar a memória de FLORIANO PEIXOTO CORRÊA, um nome que, nas primeiras décadas do século XX fez nome e história no futebol brasileiro.
Floriano nasceu no dia 14 de maio de 1903, na fazenda da “Casca” no município de Itapecerica, MG. Era filho de Francisco Antunes Corrêa e de Dª Maria do Carmo Diniz Corrêa. Seu pai era um republicano de quatro costados e admirador do Marechal Floriano Peixoto. Como o filho nascera forte e robusto, o pai, que desde logo o queria militar, batizou-o com o mesmo nome do Marechal.
Floriano fez o curso primário em Lavras. Na escola mostrou-se um bom jogador de futebol. Tinha também inclinação para o boxe, mas um incidente o fez encerrar precocemente a carreira: num improvisado “combate”, com um potente soco arrancou dois incisivos de um primo de um colega de classe, que se fazia “empresário”. Como a vítima era filho de importante político local, a carreira terminou.
Em 1916, terminados os estudos primários, vai para Barbacena onde matricula-se no Colégio Militar. Naquela cidade jogou no Infantil Futebol Clube, no Mayrinck Futebol Clube e no Paisandú. Segundo sua palavras “cuidava mais do material de futebol do que dos próprios livros”.
No ano de 1919, Floriano, admirado pelos feitos dos gaúchos, resolve pedir transferência para o Colégio Militar de Porto Alegre. Ali, o bom futebol de Floriano o faz integrar o Sport Club Internacional, pelo qual disputou o primeiro campeonato oficial de sua vida.
Com a morte de seus pais, em 1920, Floriano fica sem condições de prosseguir seus estudos e desliga-se do Colégio Militar. Vai então para Caxias do Sul onde integra a equipe do Esporte Clube Juvenil. Apesar do futebol ainda ser considerado amador, pagava-se certa remuneração aos atletas.
De Caxias, depois de perder a classificação para o rival Juventude, Floriano retorna a Porto Alegre e vai jogar pelo Esporte Clube Porto Alegre, disputando o campeonato daquele ano, sendo vice-campeão. Passa, a seguir para o Grêmio de Futebol Portoalegrense, onde sagra-se campeão no ano de 1923. Foi convocado para o combinado gaúcho que disputou, em São Paulo, o Campeonato Brasileiro de Seleções. Os gaúchos foram eliminados.
Decidido a retornar a vida militar, assentou praça na 8ª Cia. de Metralhadoras Pesadas e nessa condição foi convocado pela Liga de Esportes do Exército para fazer parte do selecionado desta Arma para disputar com a Marinha a supremacia do futebol militar. Em jogo realizado no Estádio da Gávea, a Marinha foi derrotada por 2 a 1.
No ano seguinte, 1924, foi transferido para o 3º RI, sediado na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Logo que chegou à então capital federal, Floriano foi convidado pelos dirigentes do Fluminense para defender o tricolor das Laranjeiras. Sua estréia foi num jogo contra o Bangu. Depois de um empate em 4 a 4 no primeiro tempo, o tricolor acabou vencendo por 6 a 5. Seu futebol foi bastante elogiado. Ao final do torneio, o Fluminense tornou-se o primeiro campeão da recém fundada Associação Metropolitana de Esportes Atléticos – AMEA. Essa conquista fez com que os dirigentes tricolores providenciassem sua baixa do Exército. Passa então a morar na sede do clube e tem suas despesas pagas pelos diretores do “Pó de Arroz”.
Em 1925 continua no Fluminense onde é vice-campeão da AMEA. Foi convocado por esta entidade para a disputa do Campeonato Brasileiro de Seleções. Foram dois jogos contra São Paulo: no primeiro um empate de 1 a 1; no segundo a vitória carioca por 3 a 2.
Seu futebol seguia vistoso e ele ganha o apelido de “Doutor da Bola”. Com isso foi convocado pela então Confederação Brasileira de Desportos – CBD para a seleção brasileira que disputaria o VIII Campeonato Sul Americano de Futebol a ser realizado em Buenos Aires. Apesar de vários contratempos, devido a falta de disciplina no comando da delegação, o selecionado nacional estreou vencendo o Paraguai por 5 a 2. No segundo jogo, uma derrota vergonhosa. Perdemos de 4 a 1 para a Argentina. No terceiro jogo, nova vitória contra o Paraguai, desta vez por 3 a 1. No jogo final, o de desempate com a Argentina, o Brasil cedeu o empate em 2 gols, após estar vencendo por 2 a 0. Com isso a Argentina venceu o torneio.
No ano de 1926, para amenizar a crônica dificuldade financeira por que passava, Floriano, através dos dirigentes tricolores, consegue um emprego na administração do “Jornal do Comércio”. A par disto continua jogando e é promovido a capitão do escrete guanabarino. Nessa condição disputa o campeonato de Seleções daquele ano, que foi vencido pelos paulistas. Contudo, sagra-se campeão desta disputa, em 1927, em jogo que foi assistido por Washington Luis, então Presidente da República.
Apesar de todo o sucesso, Floriano que, na véspera de um importante jogo contra o América, havia rompido seu relacionamento amoroso com a paixão de sua vida – Carmem – foi acusado de “vender-se” ao adversário, não obstante ter esforçado-se para conseguir o empate naquele jogo. Este acontecimento marcou muito a vida de Floriano que então resolveu abandonar o tricolor.
Iniciou o ano de 1928 pensando em não jogar mais futebol. No entanto, por ironia do destino, foi convidado pelo América para fazer parte de sua equipe. E, no América, sagra-se campeão de 1928, ganhando a alcunha pela qual passou a ser conhecido: “MARECHAL DA VITÓRIA”. Também neste ano foi novamente campeão brasileiro.
O ano de 1929 reservava outro dissabor para Floriano. O América qualificou-se para disputar com o Vasco da Gama, a final do campeonato. Foi marcada uma “melhor de três” a ser realizada nas Laranjeiras. Depois do primeiro jogo, que terminou empatado em 1 a 1, Floriano foi procurado por um homem chamado Leonardo Fallabela que lhe propôs um negócio: a confecção de um álbum que destacaria a equipe vencedora. O tal homem insinuou que seria “comercialmente” mais interessante se o Vasco fosse o vencedor, pois a colônia portuguesa no Rio de Janeiro era grande. Depois do segundo jogo, que também terminou empatado em 1 a 1, o tal Fallabela, deu-se as claras: ofereceu 10 contos de réis para Floriano entregar o jogo, o que foi por ele prontamente repelido. Veio o jogo decisivo e nele o Vasco aplicou uma goleada de 5 a 0 sobre o América. Foi a gota d’água que faltava para acusarem-no de venal. Dessa forma, Floriano viu-se fora do América.
Essa situação trouxe-lhe de volta o propósito de abandonar o futebol. Estava resoluto a não mais jogar no Rio de Janeiro, quando foi convidado a envergar a jaqueta do São Cristóvão de Futebol e Regatas, pelo qual jogou o campeonato de 1930. No entanto, o desgosto era grande e Floriano resolveu abandonar o futebol carioca. Partiu em viagem para Belo Horizonte. Visitou a terra nata que há tempos não via e esteve em Carmo da Mata, onde era vigário seu tio materno, o Pe. Galdino Ferreira Diniz.
De Minas foi para São Paulo, onde pretendia visitar outros parentes. A convite dos dirigentes do Barretos Futebol Clube defendeu as cores desse clube por vários meses. Estava na quietude da paz interiorana, desejoso de tornar-se esquecido, quando recebeu um telegrama de Urbano Caldeira para ir morar em Santos e jogar pelo alvinegro praiano. Deixou Barretos em 1º de janeiro de 1931, após atuar num jogo de despedida entre o Barretos F. Clube e a A. A. Bandeirantes, recebendo a renda do jogo como prêmio pelos três meses de sua dedicação àquele clube.
Em Santos, além de jogar pelo alvinegro, Floriano passou a exercer as funções de corretor de café da firma S. A. Levy.
Mesmo em Santos, Floriano não ficou livre de ser envolvido em tentativa de suborno. O Santos disputava como o São Paulo da Floresta o título de 1931. Para tornar-se campeão, o time da hoje Vila Belmiro precisava vencer o Juventus, na Mooca e contar com a derrota do São Paulo para o Corintians, em jogo no Parque São Jorge. Os dirigentes do Santos encarregaram o jogador Feitiço de subornar três atletas juventinos. Indo a São Paulo para cumprir a missão, Feitiço deu carona à Floriano e contou-lhe o plano. Já calejado com os fatos ocorridos no Rio, Floriano conseguiu dissuadir o colega da empreitada e acabaram combinando que o produto do suborno seria por eles gasto em uma bela farra. No dia da decisão o Santos não passou de um empate em 1 a 1 com o “Moleque Travesso” e o São Paulo abateu o Corintians pelo placar de 4 a 1, sagrando-se campeão. E foram os dois para a farra!
O caso foi parar na Comissão de Justiça da Associação Paulista de Esporte Atléticos – APEA -, mas o inquérito acabou arquivado por falta de provas. No entanto, Floriano perdeu o emprego de corretor de café e retirou-se, de novo, para Barretos, de onde foi chamado de volta a Santos para, de novo jogar pela equipe praiana, mas agora na condição de jogador profissional.
Estava Floriano em plena atividade quando estourou a Revolução Constitucionalista de 1932. Apesar de filho de outro Estado que se encontrava em lado oposto, Floriano lutou por São Paulo na condição de soldado do 7º BCR, participando efetivamente dos combates.
No ano de 1933 Floriano publicou GRANDEZAS E MISÉRIAS DO NOSSO FUTEBOL (Flores & Mano Editores, Rio de Janeiro), livro no qual contou todo os lances de sua atribulada vida de atleta, citando nominalmente os dirigentes que tanto lhe fizeram sofrer.
Nesse mesmo ano vem para Minas e torna-se jogador do Clube Atlético Mineiro, participando das temporadas de 1933, 1934 e 1935. Como jogador não conseguiu ser campeão. Entretanto, em 1936, como técnico, deu ao Atlético e a Minas Gerais, o seu primeiro título de expressão, que foi o de CAMPEÃO DOS CAMPEÕES (o Atlético jogou contra o Rio Branco, campeão capixaba, com o Fluminense, campeão carioca e com a Portuguesa de Desportos, campeão paulista), fato enaltecido no hino do Galo Mineiro.
Infelizmente Floriano morreu jovem. Depois de atuar no Atlético retornou ao Rio de Janeiro e contraiu uma tuberculose pulmonar, doença que era terrível àquele tempo. Com o fito de tratar-se foi para Nice, na França, para uma temporada. Depois rumou para Dacar, no Senegal, então colônia francesa onde, para alguns, com o organismo debilitado e a saúde cada vez mais precária teria morrido. Há outros que afirmam que sua morte ocorreu em Oran, Marrocos, igualmente colônia francesa. Morreu em 19 de setembro de 1938.
Findava-se uma vida cheia de lutas e desafios.
Na passagem dos 70 anos do seu desaparecimento, fica registrada a homenagem dos conterrâneos aquele que foi o maior atleta nascido no torrão itapecericano, como preito de resgate a sua memória, para que nunca fique esquecida.
Arquivo: Constantino Barbosa, Itapecericano, Advogado, Professor, Mestre em Direito. Autor em parceria com D. Gil Antônio Moreira de “Itapecerica, sua fé, sua música: história eclesiástica de Itapecerica “ e autor de “União Esporte Clube (Itapecerica): retratos de uma história, 1938-197
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